Não é de hoje que um tipo de espiritualidade estranha faz sucesso no Brasil. Muitas pessoas acreditam que Deus se relaciona conosco na base da troca: se eu oferecer sacrifícios (em geral, acreditam tratar-se basicamente de dízimo e abstinência sexual antes do casamento) agradáveis a Ele, ele responderá com bênçãos, no entanto, se o sacrifício não for agradável (deixar de dar o dízimo ou ir ao motel com a namorada) esse Deus ficará nervoso e permitirá que toda sortes de desgraças e demônios apareçam na minha vida. Você concorda que é assim que Deus age? Em geral, os que concordam com essa percepção de Deus, acreditam piamente que Ele prefere os que o oferecem sacrifícios agradáveis e retribui isso com bênçãos, enquanto os outros são retribuídos com maldições ou ficam chupando dedo.
A conhecidíssima parábola do filho pródigo contém lições preciosas do caráter e da graça de Deus. O pai daquela parábola é, na verdade, o nosso Pai. E a parábola nos ensina, acima de tudo, que entre Deus e a Mastercard não há nenhuma diferença. Deus não ficou a contabilizar os débitos do filho que saiu e gastou toda a fortuna. Da mesma forma, Ele não ficou a contabilizar o crédito daquele filho que sempre trabalhou e fez de tudo para agradá-lo. É Deus, não é a Mastercard! Veja o que escreveu Rubem Alves:
“Há pessoas que pensam que deus se parece com um banqueiro que tem um livro de contabilidade onde registra os débitos e os créditos dos homens para acertos futuros. Os débitos, chamados pecados, serão punidos. E os créditos, chamados virtudes, serão recompensados. Mas Deus não se parece com os banqueiros. Ele não tem um livro de contabilidade. Deus não tem memória: não pune pecados, nem recompensa virtudes. É como um regato de águas cristalinas. Não importa que joguemos nele os nossos detritos. Ele continua a jorrar águas cristalinas…”.
A maneira pela qual Deus se relaciona conosco é graça. A graça é a pré-disposição unilateral de Deus sempre nos receber com um abraço e um beijo. A maneira como Deus se relaciona comigo nada tem a ver com a maneira que eu me relacione com Ele.
Deus não está triste pelo que você fez/faz de errado. Ele não está sentado no trono, contabilizando seus pecados para ver qual o tamanho do castigo que você merece. Ele está a beira da cerca da fazenda, esperando o seu mínimo sinal de arrependimento para correr em sua direção, para te abraçar e te beijar. O inverso também é verdadeiro. Deus não está feliz (não a ponto de por isso te abençoar) pelas coisas de errado que você não fez ou pelo serviço que você prestou ou ainda pelo fato de você nunca ter saído de perto dele. Não são esses fatos que fazem com que Ele te abençoe. O motivo da mão de Deus se estender em direção a você é a graça, a bondade e a misericórdia Dele!
Em geral, o discurso da graça de Deus não funciona nos guetos evangélicos. Alguns acreditam que pregar a graça relativiza os decretos divinos. Outros temem que a pregação da graça enfatiza uma liberdade para o crente fazer o que bem entende. O fato é que a graça é escandalosa. Alguém disse que se você falar sobre a graça de Deus e isso não escandalizar, na verdade você não pregou sobre a graça de Deus.
O discurso da graça de Deus tende a chocar porque temos a mentalidade do filho mais velho. Somos tendenciosos a achar, por exemplo, que Deus derrama mais bênçãos sobre um pastor evangélico do que sobre um membro da igreja que tem dificuldades com bebida alcoólica, uma vez que o pastor está sempre no campo cooperando com Deus, enquanto o irmão bebum gasta o tempo e dinheiro naquilo que não convém.
A história do filho pródigo é um convite de Deus para que fujamos da mentalidade Mastercard. É um puxão de orelhas naqueles que se acham indignos (filhos mais novos) e também naqueles que se acham dignos (filhos mais velhos). O problema é que ambos os filhos não estavam nem aí para o pai. Um virou as costas para viver do seu jeito, o outro era medíocre por achar que o pai deveria financiar suas festas. Ambos só pensavam em si. Pensavam somente no débito ou no crédito que detinham. Ninguém pensava na graça redentora de Deus.
Que aprendamos que Deus é Deus e não a Mastercard, e que nenhum pecado é maior que sua misericórdia e nenhuma virtude maior que sua graça.
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