O carnê da cura de uma igreja neopentecostal, pago todo o mês, prometia sarar a avó de Antonio Affonso do diabetes. Crente que estava livre da doença, ela parou de se cuidar. Um dia, a alta taxa de glicose, provocou nela um AVC fatal. “Fui conversar com o pastor e ele disse que minha vó morreu porque não teve fé suficiente. O valor que deveria ser pago à igreja dependia da doença e do poder do milagre esperado”, conta Antônio que é pastor Batista Reformado.
Ele se converteu ao protestantismo anos após a morte de sua avó e afirma que não há no Cristianismo espaço para a compra da salvação. “Ela é pela graça. O que vejo é que há muitas igrejas abusando da inocência das pessoas. O povo brasileiro é místico e carente e acaba sendo atraído por pessoas que oferecem óleo santo, pedaço da cruz. Há uma mercantilização da fé, com apelos para as ofertas”.
Óleo da bênção vira brinde
Algumas igrejas não vendem produtos consagrados, porém prometem brindes materiais e espirituais para fiéis que fazem doações. Há casos de denominações que presenteiam seus membros até com chaves sagradas e entregam para os frequentadores, dentro do envelope do dízimo, um pequeno frasco de um óleo ungido, capaz de “resolver todos os problemas”. O líquido deve ser passado nos ouvidos para que a pessoa receba boas notícias.
Membro da Igreja Mundial, Hércules Lima não se separa do lenço da bênção, que ganhou da instituição. Ele afirma que em sua igreja não é uma prática vender objetos sagrados. O que ocorre é a entrega de presentes àqueles que doam.
“Não há a comercialização de livros e DVDs. Não acho correto uma denominação vender produtos. Ninguém está acima da Palavra de Deus. Ela proíbe essa prática. Quanto às doações, não há nada imposto. Mas a pessoa tem que ter consciência que, quando dá algo a alguém, pode receber um brinde ou mesmo um presente no futuro, lá no céu”.
Estímulo à doação
Com discursos encorajadores, e com promessas de salvação ou de retorno em dobro dos bens, a máxima “é dando que se recebe” tem tomado conta das orações.
Os pedidos são feitos para arrecadar dinheiro para a construção de igrejas. Tem pastor que chega a vender, pela TV, Bíblia por R$ 900 e afirma que o dinheiro levantado servirá para ajudar nas obras de um importante templo.
A GAZETA foi a duas igrejas em Vitória e constatou que as doações, muitas vezes, são vinculadas a bênçãos. Na Igreja Universal do Reino de Deus, enquanto pedia ofertas para os fiéis, para ajudar na construção do Templo de Salomão, que ficará no Brás, em São Paulo, o bispo estipulou um valor médio de R$ 1 mil para ser doado.
Os exemplos de quanto poderiam doar chegaram aos R$ 20 mil. Algum tempo depois ele mudou o discurso. “Eu não vou falar o teu valor. Ou mil pra cima ou mil pra baixo. Falo esse valor só para lhe mostrar a importância de gravar esse número. Porque Deus quer te fazer grande”.
Já na Igreja Mundial do Poder de Deus em Vitória, foi constatada a entrega de brindes, como uma chave consagrada para quem fizesse doações “ouro, prata ou bronze”.
Lá também o fiel pode dar ofertas por meio de dois carnês: o da multiplicação – com valores de R$ 30, R$ 50 e R$ 100 –, e o das Grandes Realizações – no valor de R$ 100. Todos contêm o número de três contas bancárias para depósitos. Em letras pequenas, no verso da folha, encontra-se escrito “Faça aqui o seu pedido”.
Segundo o pastor Batista Antonio Affonso, as doações feitas às igrejas e os dízimos não devem estar ligados a promessas nem a brindes. E afirma ainda que o recurso deve ser aplicado nas igrejas locais. “Uma denominação não pode pedir dinheiro de forma nacional”.
Ele explica que uma das propostas das ofertas é a manutenção das atividades e que parte dos recursos podem ser aplicada no desenvolvimento de serviços comunitários. “Tem uma igreja em Cabo Frio (RJ) que utiliza parte das ofertas para construir casas para pessoas carentes. É louvável. Meu sonho era construir um prédio para atender à comunidade, oferecendo serviços sociais. A igreja tem que atender à comunidade, não pensar só em si mesma”.
Adesão à venda porta a porta
A moda do marketing de vendas diretas chegou às igrejas. Grupos religiosos estão oferecendo aos fiéis a possibilidade de se tornarem revendedores de livros, Bíblias, CDs e ainda ter uma alta lucratividade.
Dois pastores e tele-evangelistas de renome nacional estão comercializando um modelo de revendas de porta em porta e prometendo ganhos de até 100% aos sócios.
Um dos casos é do pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, no Rio de Janeiro, e dono da editora Central Gospel.
O tele-evangelista tem divulgado na TV e também em suas páginas da internet a oportunidade de negócios. Para quem se cadastrar, o pastor promete até disponibilizar uma máquina de cartão de crédito.
O pedido mínimo que deve ser feito durante a adesão é de R$ 300 para qualquer categoria de revendedor: prata, ouro ou diamante. O lucro prometido varia de 25% a 100%.
Outro pastor que aderiu ao sistema de vendas diretas é R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus.
Segundo publicidade no jornal da igreja e no site www.catalogodopovo.com.br, a pessoa pode se tornar um consultor de sucesso e lucrar muito.
O site afirma que ao formar consultores o objetivo do negócio é “levar o Evangelho do Senhor Jesus aos perdidos e também aos que precisam crescer na fé”, diz. O pedido mínimo para quem é consultor é de R$ 160. A lucratividade é de 30% do valor investido.
Continua na parte 3
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